27. Pretuguês: entre o antropológico, o político e o linguístico
Fernanda de Oliveira Cerqueira
Lélia Gonzalez, antropóloga, ativista política e feminista negra, propôs, em 1988, no trabalho intitulado “A categoria político cultural de amefricanidade", propõe o conceito de Amefricanidade, o qual ela define por “[...] [um] sistema etnográfico de referência, [sendo] uma criação nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos, inspirados Afrolatinoamericanos y del Caribe em modelos africanos" (GONZALEZ, 1988, p. 77). Sendo assim, esse sistema etnográfico de referência, cujas bases são africanas, atua como pilar cultural e político na construção do continente Amefricano. Uma das evidências empíricas, mobilizada pela autora, como alicerce para a existência da Améfrica é o pretuguês, saber “as marcas de africanização no português". Com base nessa agenda de trabalho, fortemente ancorada em perspectiva panafricanista, Cerqueira (2020, 2022, 2023) e Cerqueira e Modesto (2023) propõem que, em linhas gerais, pretuguês é um conceito guarda-chuva, haja vista que Lélia Gonzalez o evoca como evidência empírica para denunciar que apesar das diversas manifestações de racismo naturalizadas no Brasil – no bojo da colonização, bem como por sua consequência – a formação social brasileira é eminentemente negra e indígena. Nesse sentido, entendemos que é possível a conformação do conceito de pretuguês com o português popular brasileiro, norma em difusão/expansão na história do PB (MATTOS E SILVA, 2004); com o português afro-brasileiro, a partir das marcas linguísticas de contato em comunidades quilombolas (LUCCHESI; BAXTER; RIBEIRO, 2009); pretuguês com o de comunidade de prática linguística, sobretudo no hip hop, ao passo que a gramática em uso reflete a identidade dos sujeitos falantes (CERQUEIRA, 2020); e pretuguês com a dinâmica de aquilombamento e de reexistência, no âmbito da produção discursiva (NASCIMENTO, 2019), como em territórios sagrados de religiões de matriz africana. Em vista disso, o presente grupo de trabalho visa congregar trabalhos que abordem o conceito de pretuguês (GONZALEZ, 1983) em âmbito antropológico e/ou âmbito político e/ou âmbito linguístico, com intuito de avançar no debate previsto na agenda de trabalho proposta por Lélia Gonzalez, haja vista sua importância na como via de valorização e de emancipação de memórias negras. Portanto, são bem vindos no presente grupo de trabalho estudos que abordem temas como pretuguês, língua e racismo, língua e colonização, língua interseccionada com raça, gênero e sexualidade, língua e branquitude, além de narrativa contracolonial da formação do português brasileiro.
Palavras-chave: Pretuguês; Língua e Raça; Formação do Português Brasileiro.