A I N A L C  
Asociación de Investigadores/as AfroLatinoamericanos/as y del Caribe  
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A exclusão das mulheres afrodescendentes na América Latina

O 25 de julho marca o Dia Internacional das Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora. Nessa data, em 1992, na República Dominicana, cem mulheres afrodescendentes da América Latina realizaram seu primeiro encontro regional em protesto contra o movimento feminista branco que as excluiu de seus eventos. Ali se formou a Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora (REDMAAD), que completa 30 anos hoje.

É um espaço de empoderamento de mulheres afrodescendentes para a construção e reconhecimento de sociedades democráticas equânimes, justas, multiculturais, livres de discriminação, sexismo e patriarcalismo.

Essa rede talvez seja a articulação mais poderosa do movimento social afrodescendente nas Américas. É formado por organizações em 22 países da região, com núcleos nos Estados Unidos, Espanha e França. Além disso, funciona como uma organização transnacional, com um coordenador geral, seis comitês sub-regionais e comitês nacionais por país.

Nestes 30 anos de luta, focados na melhoria das condições de vida da população afrodescendente, a rede tem utilizado como estratégia revelar as múltiplas discriminações a que as mulheres são submetidas, denunciando a rede de relações de dominação e desigualdade que resultam da interseção de gênero, raça, etnia e classe social.

A rede, na esfera pública e no campo político, tem conseguido posicionar repertórios que demandam uma visão interseccional dos problemas das mulheres. A reivindicação de seus direitos exige que os Estados implementem políticas públicas e programas efetivos para erradicar a exclusão social.

Qual ​​é a real situação dessas mulheres?

Embora a presença de políticos como Epsy Campbell na Costa Rica e Francia Márquez na Colômbia mostra o crescente papel político das mulheres afro-latino-americanas, como evidenciado por vários estudos da REDMAAD, as condições de exclusão, desigualdade e déficit cidadão desse grupo são múltiplas. Desde que a rede foi criada, importantes reconhecimentos foram conquistados, mas não se refletem em conquistas sociais.

Segundo Vicenta Camusso, ativista afro-uruguaia, os indicadores sobre a situação socioeconômica e as condições de vida das mulheres afrodescendentes não mudaram. Por um lado, há avanços políticos, mas por outro, há poucos avanços sociais e até retrocessos, principalmente se pensarmos na radicalização da discriminação racial antinegra.

Para Camusso, a complexa realidade das mulheres afrodescendentes pode ser resumida nos seguintes problemas: a) Acesso limitado à educação, com lacunas que não são reduzidas; b) alta paridade reprodutiva em idade precoce; c) alta entrada no mercado de trabalho, com entrada precoce e saída tardia; c) alta participação no serviço doméstico e limpeza sem garantia de emprego; d) violência física contra eles e seus filhos; e) aumento do número de mulheres jovens presas.

Esses e outros problemas estruturais sofridos pelas mulheres afrodescendentes se resumem na necessidade de entender que o racismo, mesmo após a escravidão, é um poderoso indicador de disparidade.

Em alguns países da região, a sociedade reluta em admitir a existência do racismo como fator de desigualdade ao lado do sexismo, classismo, patriarcalismo e colonialismo. Isso acontece, particularmente, em ambientes como o Caribe, onde a existência do racismo é institucionalmente negada, sendo uma forma concreta dessa negação a não inclusão da variável etnia/raça nos censos e pesquisas domiciliares.

De acordo com a CEPAL , no Caribe, onde o percentual da população afrodescendente é grande, a falta de dados estatísticos cruzados por etnia/raça impede a compreensão das realidades vivenciadas pelas mulheres afrodescendentes, como as relacionadas ao desemprego , falta de acesso ao crédito, pouco acesso a terras produtivas, pouca participação política; maior presença no ensino superior, mas menor participação em empregos qualificados e em cargos de decisão. Outros problemas enfrentados por essas mulheres têm a ver com o feminicídio e a dificuldade de acesso à justiça. Também destacam a perda de territórios ancestrais, a redução da expectativa de vida em relação às médias nacionais.

Para Claudia Mosquera, professora da Universidade Nacional da Colômbia, a violência física, psicológica e moral sofrida por milhares de mulheres afrodescendentes na Colômbia como resultado do conflito armado interno mostra que o corpo das mulheres afrodescendentes continua ser objeto de forte discriminação e dominação. Nessas realidades, o corpo da mulher torna-se espólio de guerra, dando-lhe a forma de escravidão sexual pelos atores armados do conflito.

Mosquera acrescenta que outro aspecto tem a ver com a violência racial que atua fortemente contra as mulheres afrodescendentes e as exclui de mercados de trabalho com altas possibilidades econômicas, domínio político e prestígio. Isso acontece, por exemplo, no Panamá, conforme revelado pelas pesquisas domiciliares dos Instituto Nacional de Estatística.

Por outro lado, em Cali, estudos de a Universidad del Valle mostraram a existência de uma relação perversa entre serviço doméstico e altos níveis de escolaridade das trabalhadoras domésticas afrodescendentes. Foi até demonstrado que as mulheres chamadas mulatas se saem melhor do que aquelas que têm a pele mais negra ou são chamadas de "mulheres negras". Além disso, as mulheres afrodescendentes têm uma carga maior de dependentes, situação que limita suas possibilidades de poupança e crescimento.

De acordo com Rocío Muñoz, ativista do movimento afro-peruano, e estudos recentes da Consultora GRADE, as mulheres afro-peruanas também vivem um cenário de opressão interseccional. Além disso, quanto mais escuro o tom de pele, mais o racismo aumenta no corpo das mulheres afrodescendentes.

Por exemplo, em Lima verificou-se que a identidade de raça/etnia acaba sendo uma variável que aprofunda as más condições em que as mulheres já vivem em relação à sua classe, gênero e condição de subordinação. Nesse contexto, as mulheres identificadas como "pretas" ou "muito negras" têm menor escolaridade, menor acesso aos serviços de saúde, mais trabalho pesado e menos remuneração.

A realidade social, econômica e política das mulheres afrodescendentes deve ser interpretada na perspectiva da intersecção das desigualdades, tanto por etnia/raça, quanto por sexo e classe. Além disso, como defende a REDMAAD, essa realidade complexa exige uma atenção institucional radical, o que leva ao estabelecimento de políticas públicas com enfoque diferenciado, entendidas como ações afirmativas e reparatórias, que combatam o problema de forma essencial.

Nesse contexto, a necessidade de políticas que contemplem os problemas vivenciados nos territórios rurais e urbanos, nos espaços de participação política, ou seja, em todos os cenários onde a reprodução do poder masculino sobre o corpo do afrodescendente mulheres.


John Antón Sánchez

          

Professor do Instituto de Estudos Nacionais Avançados (IAEN), Equador. Doutor pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). Pesquisa plurinacionalidade, raça e etnia, discriminação e estatísticas sobre desigualdades raciais e étnicas.