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Associação de Investigadores/as Afrolatinoamericanos/as e do Caribe
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BITÁCORA  AFRODIASPÓRICA Transitando os temas da diáspora africana na América Latina e no Caribe.

Conjuntura nacional, institucionalidade e luta contra o racismo

Joselina da Silva, Amauri Mendes Pereira

É possível se analisar uma conjuntura nacional apenas – ou principalmente – considerando aspectos políticos-institucionais? Ainda mais, quando se sucedem vertiginosamente eventos e dinâmicas sociais-culturais, demais controversas e pouco ou mal conhecidas e investigadas?

A partir de 2013 tem sido um desafio e tanto analisar a conjuntura nacional brasileira:

Dois exemplos:

- Chocante a “explosão” de elitismo e racismo, jamais publicamente com tamanho desembaraço: Nada a ver com a presença ostensiva, como nunca antes, de negrxs e pobres em universidades e em outros espaços antes quase exclusivos das classes médias quase totalmente brancas?

- Chocante, também, o tão falado crescimento neo-pentecostal: nada a ver com desalentos, frustrações, incompreensões, no seio das grandes maiorias negras e pobres, numa sociedade tamanhamente racista e desigual? Se a intolerância religiosa conquista mandatos parlamentares, cargos governamentais e em outros esquemas institucionais, e poderosas redes de informação e comunicação, isso nada a ver com a tradição de preconceitos e demonização das manifestações religiosas de matrizes africanas?

Exemplos de resposta “dessa gente bronzeada”, no Rio de Janeiro:

- No carnaval de 2018, a GRES Paraíso do Tuiuti, em seu enredo perguntava: “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão”? E fez o público vibrar apresentando uma imagem de vampiro com a faixa de presidente da república (alusão direta à figura de Michel Temer, o presidente golpista); e em 2019 o enredo, que mostrou como herói o retirante nordestino (Lula havia sido preso e Bolsonaro ganhara a eleição), e criticava abertamente a manipulação de votos nas eleições; - Em 2019 a GRES Mangueira homenageou sua própria gente: grandes personalidades de sua história, mas, também, seus componentes mais simples – e colocou o nome de Marielle Franco (vereadora negra do Rio de Janeiro, assassinada em 2018), no verso final do samba enredo: “Brasil chegou a vez, de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês!”; - Em 2022 a GRES Grande Rio, mostrou “As sete chaves de EXU”, desafiando a intolerância religiosa, e o neo-pentecostalismo-fundamentalismo cristão-evangélico, num ano de disputas eleitorais decisivas para a causa da democracia e da justiça social.

Entre os setores progressistas

Vale a pena refletir sobre reações comuns nos contextos políticos-institucionais, a partir de 2013: - Mesmo depois dos vícios de postura e ilegalidades entre promotores e Sergio Moro, o juiz titular, e as mídias mais poderosas expostas pelo site TIB, em 2019, a “operação lava-jato” só foi “desmontada” no governo Bolsonaro, depois do rompimento de Moro (então ministro da justiça), em abril de 2020. A operação Lava jato havia sido decisiva para o golpe de 2016 e para a prisão de Lula, que liderava todas as pesquisas, poucos meses antes das eleições para a presidência da república, em 2018. Inúmeros analistas atribuem importância decisiva, também a decisões judiciais escapistas, escorregadias, oriundas da mais alta corte de justiça, o STF, que permitiram o golpe de 2016 e a prisão de Lula (1).
Como explicar, então, a perplexidade e desânimo, debilidade de reação, e na geração de novas estratégias entre os setores progressistas, depois desse breve e seletivo resumo de volumoso noticiário e de análises da intelectualidade mais reputada, que circularam intensamente em jornais, TVs, e na internet?
(1)JINKINGS, I., DORIA. K., CLETO, M. (Orgs). Por que gritamos GOLPE? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo editorial. 2016. Esse livro é uma coletânea de textos, que discutem vários aspectos do golpe e da crise institucional

O governo Bolsonaro

Perante os discursos de Bolsonaro e dos principais agentes e personalidades de seu governo, e de medidas de políticas ambientais e em relação à Amazônia, também seu armamentismo, e tantas outras, desde os primeiros momentos, mesmo setores empresariais e da “política tradicional”, que o haviam apoiado foram se inquietando. De maneira franca e direta o novo governo se esmerava no desapreço ao “politicamente corrreto”, contrariando essa “tradição” tão eficaz no controle social. Desse jeito, e com crescente contrariedade da intelectualidade mais influente nas mídias hegemônicas, o nível de desigualdades e seus jeitos de perpetuação foram ficando mais evidentes, ou sendo mais noticiados. Sim: incontáveis fatores se somaram para a derrocada de Bolsonaro, como a trágica falta de gestão da pandemia, ataques à Ciência e às bases (no fundo nunca integralizadas por sucessivos governos) do SUS-Sistema Único de Saúde, e aos currículos e “tradições” educacionais; sua determinação em manipular instituições de Estado, como as forças armadas e os sistemas policiais e de investigação; assim como os conflitos internos e traições de todo lado, que expuseram vergonhas e escândalos no governo central e entre aliados regionais; além do aprofundamento da crise econômica e social. Sem dúvida, que a retomada do poder central da república, sob a hegemonia de setores progressistas foi favorecida por esses e outros fatores, dado o nível de insatisfações com a linguagem, métodos, posturas insensíveis e incivilizadas que – exalando barbárie – predominaram, como nunca antes, no amplo espectro institucional brasileiro.

A sustentabilidade da “virada” progressista

Mas será que os setores progressistas teriam alcançado os míseros dois por cento a mais de votos, que nos deram a vitória, sem a genialidade de Lula? Ao trazer Alkmin de volta à cena pública como aliado desarvorou expectativas e esforços de uma “terceira via” (nem Lula, nem Bolsonaro), logo no início das articulações para as eleições de 2022. Os limites da genialidade de Lula estão evidentes em diversas concessões na composição do governo, e em acertos com o congresso. Como será em relação ao mercado financeiro, e aos dramas sociais e humanos gerados na precariedade de serviços públicos, de segurança, de saúde, de saneamento, educação, etc, etc; como reverter o “desmonte do Estado”, voz corrente desde o período de transição entre os governos? Já “vimos esse filme”! A hegemonia progressista já aconteceu e durou 12 anos. Começou em condições muito melhores do que agora, e contou com ânimos e impulsos extraordinários em políticas públicas de enfrentamento das desigualdades, preconceitos, discriminações. Quanto tempo e que circunstâncias nacionais e internacionais, permitirão a atual benevolência das mídias hegemônicas, e a firmeza do arco de alianças, cujo equilíbrio depende muito da genialidade e da popularidade de Lula? Até que ponto o amplo conjunto de lutas sociais pode confiar exclusivamente em habilidades, acordos e nos jogos de cena de “tradicionais” agentes políticos-institucionais? Como o Movimento Negro Brasileiro e seus-suas agentes políticos institucionais refletem esse momento e condições? Dá pra vivenciar as alegrias e vantagens da conquista de espaços políticos-institucionais, como se isso nunca tivesse acontecido? Mesmo depois de vermos que a institucionalidade no Brasil é caô (é e não é, depende de muitas coisas...), e, por pouco não foi engolida pelo fascismo? Lembrei de Samora Machel – comandante da luta armada de libertação nacional e primeiro presidente de Moçambique, assassinado pelo regime do Apartheid da África do Sul, em 1986. Por que será que me veio tão fortemente esse trecho de um de seus mais famosos discursos?

Independência para nós não significa apenas
hastear uma nova bandeira, cantar um novo hino,
e botar caras pretas no palácio!!!


Joselina da Silva

Referente del feminismo negro en Brasil: es doctora en Ciencias Sociales por la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro (UFRRJ), profesora del Programa de Posgraduación en Educación de la Universidad Federal de Ceará (UFC) y del Programa de Posgraduación en Educación, Contextos Contemporáneos y Demandas Populares de la UFRRJ. Coordina el Núcleo Brasilero, Latinoamericano y Caribeño de Estudios en Relaciones Raciales, Género y Movimientos Sociales (N´BLAC).


Amauri Mendes Pereira

Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, especialista em História da África pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Universidade Candido Mendes (UCAM). Professor no Curso de Pós-Gradução Lato Sensu em História da África e do Negro no Brasil (CEAA-UCAM). Atualmente é Professor Adjunto do DTPE-IE-UFRRJ e do PPGEduc- Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRRJ.



 

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